CADE firma parceria com ANPD

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) firmaram compromisso para desenvolver ações de defesa à livre concorrência relacionadas a serviços que demandam proteção de dados pessoais.

De João Paulo Vieira Tinoco e Mauricio Koki Matsutani*

A iniciativa é muito bem-vinda, pois prevê a elaboração de estudos e pesquisas acerca de proteção de dados e concorrências de mercado, potencialmente relevantes para a implementação de políticas públicas, dadas as reconhecidas competências destas instituições nacionais que são referências nestes temas.

Mas o que as privatizações da Dataprev e do Serpro têm a ver com isso? A resposta é que são várias as situações de desequilíbrio de mercado, caso sejam adquiridas por empresas privadas.

Muito se tem falado do capitalismo de vigilância que explora os dados dos cidadãos para a geração de lucros de empresas privadas, configurando assim a informação como elemento de vantagem competitiva.

Empresas como American Airlines e United Airlines prosperaram quando implantaram seus sistemas de reserva aérea, nos quais suas viagens eram apresentadas antes para os agentes de viagens. Elas examinavam os voos de seus concorrentes e faziam ofertas nas rotas em que estavam em desvantagem.

Da mesma forma, a informação é um fator essencial para o setor bancário, que já possui em suas bases, dentre outras informações, as pessoas que recebem benefícios previdenciários em suas agências. Caso um banco específico tenha controle sobre a Dataprev privatizada, ele passará a ter acesso ao conjunto dos beneficiários, podendo assim ter mais sucesso em suas campanhas de vendas do empréstimo consignado, podendo até mesmo ter o controle deste mercado.

Os dados previdenciários, bem como as demais bases de dados administradas pela Dataprev e pelo Serpro, podem ser valiosos para muito mais produtos bancários. É um enorme potencial a ser explorado para o eventual detentor privado desses recursos, mas que para esta análise, vamos nos concentrar no mercado de empréstimo consignado.

Empréstimo consignado ou crédito consignado, como também é conhecido, foi originado como uma política pública para combater as altas taxas de juros praticadas na economia brasileira. Ocorre por meio de empréstimos pessoais com parcelas deduzidas diretamente da folha de pagamento ou do benefício e virou realidade a partir de 2004. O desconto direto em folha de pagamento minimiza os riscos de inadimplência e consequentemente possibilita juros bem menores em relação a outras linhas de crédito.

Basicamente, podem ser agrupados em INSS – oferecido para aposentados e pensionistas do Regime Geral de Previdência Social, Público – oferecido a funcionários de órgãos federais, estaduais e municipais e o Privado – oferecido para funcionários de empresas privadas.

A Dataprev é responsável pelo processamento dos empréstimos consignados do INSS, cujo volume de créditos supera os R$ 400 bilhões e é diluído por cerca de 60 instituições financeiras.

Esta política pública deixaria de ter um agente neutro, se passasse a ser operada por um banco, que poderia priorizar o lucro em detrimento da oferta de créditos a juros baixos para a população mais humilde, além de eliminar a concorrência neste mercado.

Há quem alegue que o ente privado deverá agir conforme as melhores normas de compliance. É possível, mas o mercado está repleto de casos de empresas mundialmente renomadas e sem qualquer compromisso social.

*João Paulo Vieira Tinoco é doutor em Administração de Empresas pela PUC Rio e ex-empregado da Dataprev; Mauricio Koki Matsutani é mestre em Estatística pela UFRJ e Analista de Tecnologia da Informação na Dataprev.

Fonte: https://congressoemfoco.uol.com.br/